sábado, 1 de setembro de 2012
03/09/2012 - Réquiem
SINOPSE
A vídeoinstalação Réquiem foi especialmente concebida para a Sala do Cofre do Museu de Arte Sacra de São Paulo e faz parte da exposição coletiva CONTRAPONTOS, com curadoria de Nair Kremer. A exposição com abertura em 03 de setembro de 2012 permanece aberta ao público até 4 de novembro de 2012.
A Sala do Cofre, local onde são protegidas as reliquias da igreja é envolvida por uma atmosfera insólita e inquietante com seus tesouros virtualmente soterrados. Um trator arranca e despeja terra com seu ronco agressivo em vídeo projetado no teto da sala. O público espremido entre estas imagens e a terra que também recobre o chão, é engolido juntamente com as relíquias. O som visceral e a agressividade das imagens no vídeo projetado no teto da sala produzem uma situação na qual eternidade e apocalipse se mesclam. A crua realidade de nossa implacável efemeridade como carne e matéria está implícita na situação, e uma sutil ironia se desprende do trabalho quando relacionamos a frase da Bíblia que aparece no vídeo-texto em porta retrato digital “Lembra-te que do pó viestes e ao pó, hás de retornar”. (Gênese 3,19). A intervenção questiona os valores tão bem protegidos nesta sala e a pertinência disto, lembrando que os bens materiais que ali se encontram, irão um dia desaparecer, assim como nossos corpos depois da morte.
Still de imagem videográfica (Réquiem Terra Still 1) utilizada na edição do vídeo Terra que compõe a instalação Réquiem.
Still de imagem videográfica (Réquiem Lembra-te Still 1) utilizada na edição do vídeo-texto Lembra-te que compõe a instalação Réquiem.
Registro da instalação RÉQUIEM, exposição CONTRAPONTOS no Museu de Arte Sacra de São Paulo.
FICHA TÉCNICA
Monique Allain
RÉQUIEM
Vídeoinstalação especialmente concebida para a Sala do Cofre do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Exposição coletiva CONTRAPONTOS, curadoria de Nair Kremer.
2012
Projeção do vídeo Terra no teto da sala, transmissão do “vídeo-texto” Lembra-te em porta-retrato digital, e forração pintada com terra vermelha no piso.
Vídeo: Terra
3’33”
Concepção e direção: Monique Allain
Câmera: Jarbas Viana
Edição: Monique Allain e Villen Maccarini
Vídeo-texto: Lembra-te
0’55”
CONTRAPONTOS
Arte contemporânea em terreno barroco
Exposição coletiva
Curadoria: Nair Kremer
Abertura: 3 de setembro às 19hs
Período de exposição: 4 setembro à 4 de novembro
Terça a domingo, 10 às 18hs
Endereço: Av. Tiradentes, 676 (estacionamento gratuito à Rua Jorge Miranda, 43).
Metrô Tiradentes
Tel: 5627-5393
R$ 6,00 e R$ 3,00. Entrada franca aos sábados.
Artistas participantes:
Alex Flemming
Núcleo de Arte-educação do Museu de Arte Sacra
Georgia Kyriakakis
Guto Lacaz
Luiz Hermano
Monique Allain
Renata Barros
Roberta Segura
Silvia Mharques
“Qual o propósito de uma arte cujo exercício não me transforma?”
Paul Valèry
No século XV, o pintor Piero Della Francesca já dizia que “mais importante que a pintura de um arcipreste é a relação dessa pintura com outra ou com outros elementos”. As relações entre obras, espaços e diferentes objetos ou mídias continua presente, e, aliás, ganha relevância em propostas cada vez mais ousadas na arte contemporânea.
Ao conhecer o acervo do Museu de Arte Sacra como conselheira, comecei a esboçar uma ideia desafiadora: contrapor aos objetos barrocos e outros de cada uma das coleções, as propostas mais atuais no circuito das artes. A inserção de tal proposta na programação do Museu de Arte Sacra tem o intuito de promover uma experiência nova ao público que já o visita e espera-se também atrair outros tipos de público que ainda não tiveram contato com as especificidades deste acervo.
Cada artista convidado também se viu diante de um desafio: escolher um espaço a ser trabalhado em sua poética visual, levando em conta as necessidades técnicas de preservação deste patrimônio. Do contato com a coleção e com a arquitetura do prédio bicentenário nasceram propostas em linguagens e suportes diversos, ora destacando a iconografia, ora redimensionando o olhar sobre a própria arquitetura. Os artistas e suas obras tornam-se elementos novos que ressignificam esse espaço museológico e ampliam o diálogo com o público.
Outro aspecto contemporâneo presente nesta proposta é a participação de “não artistas” com trabalhos de arte. Nesse caso, destaca-se o fato de o Núcleo de Arte-Educação do museu ter sido um dos ilustres convidados a realizar sua própria intervenção. O convite destaca a importância do arte-educador na relação entre diferentes públicos e diferentes acervos.
Na sala da Ourivesaria Sacra (cofre) Monique Allain, com sua obra Réquiem, coloca em questão os valores tão bem guardados neste local, e o fato de que um dia irão desaparecer. Na mesma sala Alex Flemming insere outras vozes dos discursos religiosos na figura de Iemanjá, enquanto, na sala Benedito Calixto, Guto Lacaz comenta a pintura e sua reprodução – enquanto imagem normal, tridimensional e espectral, em um jogo óptico. Ali também, Geórgia Kyriakakis, com sua obra Empeno à tona, explora e entrecruza diferentes sentidos dos termos exposição, revelação e deformação. Ao interferir na disposição das cadeiras convida o público à instabilidade revelada em situações de desajuste e desequilíbrio, potencialmente ativas nas relações humanas, sociais e políticas. .
Com destaques simbólicos e interativos do Jardim do Claustro, Roberta Segura nos convida a refletir sobre o estado de clausura voluntária das monjas, com imagens da casa de uma moradora de rua que, devido a sua situação financeira, social e emocional, se encontra involuntariamente em um estado de clausura.
Luiz Hermano inspira-se em um museu da Turquia e aciona no visitante o reconhecimento da arte bizantina, mas em um tempo novo, com novos materiais.
Em uma das salas mais contemplativas, onde está a imagem de Nossa Senhora da Luz, Silvia Mharques constrói uma máquina de referências filosóficas e coloca em pauta nossa relação com “a luz do conhecimento”.
Na sala Técnica construtiva (taipa), a instalação A flor da pele, de Renata Barros, mostra a relação entre corpo e materialidade, em uma referência ao Santo Sudário. Neste trabalho, a tonalidade da pele, com o uso de látex e vídeo, torna-se suporte para representação do sujeito – sagrado ou não.
Na área externa, junto aos profetas, o Núcleo de Arte-Educação do MAS participa com a instalação interativa Salvaguarda. Este trabalho, já no próprio título, problematiza uma das funções do museu e convida o público a reconhecer seu papel social.
Portanto, poéticas visuais e atividades em diferentes linguagens compõem esse conjunto de intervenções e constroem contrapontos pelos mais diversos caminhos. A polifonia vem também em performances como Sagrado Território, de Miriam Dascal e Fabio Villardi, e na apresentação musical Fabuloso adeus/ Mortal loucura, do grupo Pato Preto.
Ao enfrentar riscos e buscar soluções, o empenho da curadoria é estimular novas relações com o acervo e com o próprio conceito de museu na contemporaneidade. Este é nosso convite ao público, para que ele também faça seus próprios contrapontos.
Nair Kremer
SOBRE A CURADORA: NAIR KREMER
por Berta Waldman
Nair Kremer é uma artista com cerca de quarenta anos de produção. Inquieta por natureza, suas incursões marcam um trajeto que vai da arte objetual à não objetual, aquela que se realiza somente com a participação do observador. Através de seus dois livros publicados – um sobre o conjunto de seus trabalhos (Nair Kremer), outro sobre arte-educação (Deslocamentos), pode-se ter uma ideia do trajeto dessa artista. Com passagem pela Bienal de São Paulo e por outras exposições, e obras nos acervos dos museus, MASP (SP-Brasil), Museu Das Américas (Washington- DC- USA), Pinacoteca do Estado de São Paulo (SP-Brasil), Tefen (Israel), com performances em espaços públicos, no país e no estrangeiro, com projetos de arte-educação na periferia de São Paulo, o espírito inquieto de Nair chega, neste momento, a uma nova experiência – a curadoria. Consciente da importância do caráter experimental e aberto de um museu de arte, o empenho de Nair Kremer é aproximá-lo da vida, enfrentando riscos, buscando soluções. O projeto por ela proposto aos artistas de dialogar com as obras e espaços do Museu de Arte Sacra de São Paulo é seu mais novo desafio; longe da lógica administrativa e da rotina, a sua posição enquanto curadora é a de artista, e isso faz toda diferença.
*Berta Waldman – PhD em teoria literária e literatura brasileira, professora titular de literatura judaica, docente na Universidade de São Paulo, pesquisadora e escritora.
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