Criação, pesquisa, e educação em arte e ecologia do SER.
Instalações, ações coletivas, produções audiovisuais, imagens digitais, fotografias.


COMO?

COMO?

Como obter situações que permitam subverter poeticamente as restrições espaço-temporais, que rompam com as referências habituais, e proponham a vivência perceptiva de uma estreita interação entre sujeito, espaço e tempo, onde um presente contínuo, suspenso e ampliado, que contenha movimento, pulsação e ritmo, possa ser experimentado? Os interstícios, as zonas híbridas de transição entre o objeto e a luz, entre a pausa e o movimento, entre o sujeito e o espaço-tempo, são lugares entre, estreitos, mistos e contaminados, carregados de tensão por estarem nos limites de territórios que se confrontam; constituem zonas vibrantes de comunicação e transformação. Alcançar uma condição de estar DENTRO do ENTRE, dentro de uma zona intersticial de sobreposição, e expandir esta zona de contato seria uma estratégia para reconfigurar o corpo e integrá-lo melhor à percepção, reunir sensibilidade, sensação e intelecto, obter a fruição do corpo vivo em um estado de consciência e de afetividade amplificados? Como experimentar o ato de EXISTIR com o corpo todo desperto, e alcançar um ESTADO DE SER no qual experiência direta e indireta já não se diferenciam, onde externo e interno estão entrelaçados, onde há uma simbiose entre corpo, espaço-tempo e alteridade? O grande desafio é incorporar o não controlável através do improviso com inteligência, alcançar uma situação vibrante, sensível, sutil e criativa de sincronicidade entre o SER e o ESTAR, um espaço-tempo ontológico do self entre a memória e a entropia, no qual possa haver uma fusão, um lugar que reúna o sujeito e o meio, onde a percepção do estado de existir, tanto na condição de indivíduo como na de parte de um coletivo, seja simultânea e intensificada.

Mas COMO?

Monique Allain


ALGUMAS PALAVRAS

Os trabalhos são uma forma poética de pensar as relações entre o homem, os espaços que cria e transforma e o movimento decorrente desta dinâmica, dentro de uma dimensão privada e pública. O tripé arte, biologia e filosofia é o motor de criação.

O interesse pela biologia e pelas questões ambientais conduziu à escolha da formação inicial em ciências físicas e biológicas, da posterior atuação profissional como consultora ambiental, e sedimentou-se no processo de desenvolvimento artístico. A produção incorporou conteúdos que envolvem noções de sustentabilidade, de consciência pelo movimento, e da biologia do SER.

Partindo de uma compreensão do espaço como corpo e do corpo como espaço, as potencialidades sinestésicas da imagem digital são exploradas e funcionam como trabalhos autônomos ou como elementos-base para composição de diálogos, situações de encontro e de troca, tais como performances, intervenções urbanas, ações coletivas, instalações audiovisuais e “habitações". As propostas privilegiam a participação do público.

A hibridização de meios diversos, desde a pintura ao vídeo, à fotografia e à outras tecnologias digitais é um recurso constante e revela um território convergente nas diversas formas que a imagem hoje assume. Torna-se difícil diferencia-la em categorias, tanto no que diz respeito à técnica como ao modo de representação e apresentação. Assim, natureza e origem se perdem, os limites entre realidade e ficção, entre materialidade e virtualidade se dissolvem.

A intenção é propor vivências que possibilitem um mergulho “dentro do entre”, em zonas de transição e sobreposição (entre o objeto e a luz, entre a pausa e o movimento, entre a realidade e a imagem). Esses lugares estreitos e não rotulados são instáveis e oferecem um amplo potencial de comunicação e de transformação. Habita-los pode ser uma forma de expandi-los. A atmosfera criada através do diálogo entre os sons e imagens, geralmente em grandes formatos, visa subverter poeticamente as restrições espaço/temporais, romper com as referências habituais e propor a vivência perceptiva de lugares onde a integração entre sujeito, espaço e tempo aconteça de outras maneiras, onde um presente contínuo, suspenso e ampliado possa ser experimentado. Procura-se obter com isso, a fruição do corpo vivo em um estado amplificado de afetividade e percepção consciente, de modo a alcançar um “estado de ser” no gerúndio (“state of being”, termo empregado pelo artista Robert Morris), no qual a experiência direta e a indireta já não se diferenciem, onde externo e interno estejam entrelaçados e haja uma simbiose entre corpo, espaço-tempo e alteridade. Deste modo, talvez se possa alcançar uma maior sincronicidade entre o SER e o ESTAR, um lugar que reúna em um plano comum o sujeito e o meio, onde a percepção do estado de existir, tanto na condição de indivíduo como na de parte de um coletivo, seja intensificada.

Monique Allain

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

FOTOGRAFIAS CINÉTICAS

Still do video Mi, da série Composições, produzida para a instalação Íntimas Paisagens, 2008-2011.


Sinopse
O termo fotografia cinética foi aqui adotado para caracterizar um tipo de imagem de natureza intermediária entre o vídeo e a fotografia. Estas imagens são memórias de um corpo-máquina. A câmera não é apenas  um aparelho útil para sua obtenção, mas funciona como uma extensão e memória do corpo experimentando o espaço-tempo. Os vídeos resultantes constituem um registro poético de vivências deste corpo. De natureza temporalizada e audível, são elementos base em busca de um além-plano, de uma expansão na tridimensionalidade do espaço. As formas de apresentação determinam as relações que as imagens poderão estabelecer com o público, sem o qual, elas perdem a razão de ser. As fotografias cinéticas funcionam como unidades modulares orgânicas. Podem se apresentar individualmente ou compor múltiplas situações espaço-temporais, conforme as condições do local onde se apresentam.

Fotografias cinéticas
A fotografia é uma manifestação concreta da fugacidade do tempo. Por maior que seja o período de abertura e disparo do obturador, por maior que seja o tempo de ação impregnado nela, ocorre um achatamento temporal resumindo toda esta ação a um único instante (fração mínima temporal).  Ao registrar um acontecimento, ela o coloca no passado, congela a imagem e achata o movimento. Mas ela tem como potência o corte radical que imprime no momento em que acontece, a ausência de um espaço-off, concentrando todo o acontecimento em um único instante. Ela é direta e incisiva.
Há uma aparente contradição entre o termo fotografia e a noção de cinetismo. A representação ou inscrição do movimento na fotografia resultante do congelamento de uma ação ou os vestígios de algo que não teve tempo de se inscrever claramente, são situações que destacam a fixidez da imagem.
Partindo da fotografia ou do vídeo, existiria um lugar onde ambos pudessem se encontrar, uma região intermediária comum, uma faixa de sobreposição? A concepção de imagens temporais situadas entre o still fotográfico e o vídeo, denominadas fotografias cinéticas foi motivada por experiências com a pausa e o movimento na imagem em um processo de investigação, não dos limites entre a fotografia e o vídeo, mas das possibilidades de se obter uma convergência que incluísse ambas as categorias.
As fotografias cinéticas, são ditas fotografias porque, por mais manipuladas que sejam, guardam um ponto de origem referendado no mundo físico. Elas propõem uma situação concentrada de suspensão dentro de uma circunstância sem o espaço-off de fuga. A pose fixa, a ausência de enredo, a constância na imagem e sua permanência alcançada com o loop, aproximam-nas das fotografias. Por sua vez, são cinéticas, não só porque tecnicamente estão situadas na categoria de vídeo, mas porque se inscrevem dentro de uma temporalidade em que o movimento está presente; um movimento rítmico, repetitivo de pulsação de ondulação, de vibração. As fotografias cinéticas não representam ou sugerem o movimento, mas apresentam-no. Elas consistem em um fluxo contínuo de imagens não narrativas que requerem do olhar um intervalo de tempo para a apreensão do seu cinetismo. A aproximação entre fotografia e movimento se dá pelo viés conceitual.
Nestas imagens digitais, o caráter sonoro provém não somente do áudio, mas também da sonoridade visual proporcionada pela qualidade sinestésica das imagens. O intuito, com a alquimia entre o áudio e a musicalidade das formas, é ampliar o potencial sensório destas imagens e expandir a experiência sensível, envolvendo e cruzando os sentidos de modo a agenciar o corpo no espaço em sua totalidade. As referências sonoras constituem um importante indício para o corpo da sua situação no espaço.
Essas imagens se alinham com o desejo de trabalhar nas zonas intermediárias. Com sua natureza híbrida e não definida, são como pontes entre o mundo físico e o mundo imaginário. Por se situarem em um território intermediário entre a fotografia e o vídeo, pela ambiguidade temporal que apresentam na sua expressão, as fotografias cinéticas provocam um estranhamento, não se encaixam no ritmo quotidiano, facilitando uma quebra na sua forma habitual e favorecendo uma experimentação sensória mais intensa, na qual um tempo no presente, ora ondulante, ora vibrante, possa ser vivenciado.
A série de FOTOGRAFIAS CINÉTICAS tem como propósito subverter poeticamente restrições temporais e propor uma situação perceptiva de um tempo presente, suspenso e ampliado. As imagens, “híbridas” entre o vídeo e a fotografia constituem “fotografias vivas de espaços orgânicos”.













Origens - Fotografias cinéticas: construções a partir da imagem estática                                                                                                                                                                                                                    

Fotografia digital de um horizonte utilizada para a construção da seqüência de imagens que compõem o vídeo ID2 da série Imagens dinâmicas, 2007.


Uma primeira abordagem para construção de imagens intermediárias entre a fotografia e o vídeo foi utilizar uma sequência de fotografias com variações graduais de modo a compor, para cada segundo, um número de quadros suficientes que reproduzisse o processo cinemático. Em 2007, a partir de recortes e duplicações de pedaços de uma única fotografia de um horizonte e de códigos numéricos manipulados eletronicamente, algumas séries de imagens foram construídas para elaboração de diversos vídeos. Os áudios foram construídos eletronicamente de modo intuitivo, acompanhando as sensações rítmicas e os elementos sinestésicos produzidos pelas imagens.
 

Imagem construída a partir de uma única fotografia digital de um horizonte, utilizada para a elaboração do vídeo ID2, 2007.

Dando sequência às experiências de inserção de movimento à fotografia digital, foram realizados mais dois vídeos da série Deslocamentos, conduzidos pela experimentação da contraposição, da soma e da sobreposição de deslocamentos no espaço e no tempo. Essas duas coordenadas foram decompostas em movimentos verticais e horizontais.
Imagens utilizadas para a construção dos vídeos D1 e D2, da série Deslocamentos 2007.


Ambos os vídeos constituem lugares artificiais e incompletos, oriundos da manipulação de sons e imagens, recortados, repetidos, invertidos e reagrupados. No primeiro, o cinetismo da imagem foi criado pela sobreposição com fusão de 24 stills do vídeo Horizonte, utilizando-se como recurso a técnica de stop motion. No segundo, uma das imagens produzidas para a instalação A gênese do espaço foi emendada quatro vezes à sua cópia invertida, de modo intercalado, formando uma faixa contínua de um horizonte que desfila vagarosamente. O resultado é uma situação espacial ambígua na qual o espaço artificial contido na imagem em movimento é confrontado à rigidez da forma que se repete incansavelmente sem nenhuma variação. O caráter puramente mecânico do movimento é claramente expresso, destacando a ausência de oxigênio, de vida, dentro daquela paisagem fabricada.
Apesar destas fotografias cinéticas se constituírem a partir do mesmo procedimento do cinema para apresentar uma sensação dinâmica (nos quais imagens em seqüência produzem opticamente a impressão de movimento), há uma diferença significativa: elas não correspondem a sucessivas capturas de um referente em instantes próximos, mas à construção de uma série de imagens a partir do desdobramento e da manipulação de uma única fotografia. A abstração dessas imagens ressalta sua natureza artificial e, conseqüentemente, a artificialidade do seu movimento.

Fotografias cinéticas: construções a partir da imagem-movimento
Durante a investigação da imagem entre a fotografia e o vídeo, despontou o interesse por prosseguir pelo viés inverso, utilizando o vídeo como ponto de partida em direção à constância e uniformidade na sequência de imagens em movimento, o que remete à fotografia. A ideia surgiu ao rever o vídeo Horizonte, realizado em 2005, que buscava alcançar uma configuração estável, porém vibrante, dentro de um intervalo de tempo, explorando a velocidade e o consequente excesso de movimento na imagem eletrônica. Este foi o primeiro vídeo realizado durante o período de estudos na Fundação Armando Alvares Penteado. Algumas cenas foram refilmadas, e uma segunda versão foi feita em 2007. Nas reflexões sobre o espaço, a linha do horizonte sempre foi algo intrigante, entendido como um lugar de passagem, um espaço-entre, uma zona híbrida de transição, na qual espaço e tempo se fundem e constituem uma unidade. O eixo fixo de captura da imagem para construção da linha do horizonte localiza o sujeito nesse lugar.
Imagem extraída do vídeo Horizonte, 2005-2007
Vídeo monocanal, 2’36”




Dentro de uma situação claustrofóbica causada pela presença de altos edifícios cercando o local onde se passa a ação, a narrativa em busca de um espaço para vazão do olhar se desenrola com uma tensão crescente. O desfecho surge como forma de neutralizar o conflito. Ele trouxe a chave para a continuidade de um estudo mais aprofundado sobre a relação entre estática e movimento na imagem. A proposta do vídeo Horizonte foi encontrar uma alternativa para escapar do sentimento de opressão e confinamento de quando a verticalidade ao redor não deixa espaço para a profundidade do olhar, quando não é possível enxergar a linha do horizonte.
O Largo do Café, no centro de São Paulo, foi escolhido para realizar o trabalho por não oferecer nenhuma abertura ao horizonte. Até para se enxergar o céu é preciso virar a cabeça completamente para cima. Na obra, trabalhou-se com a velocidade de deslocamento da câmera na horizontal. Um eixo fixo de captura da imagem foi escolhido. Ao girar a câmera o mais rapidamente possível sobre esse eixo, com a ajuda de um tripé, obteve-se uma imagem varrida, abstrata, de uma constância e uniformidade dinâmica e vibrátil, uma imagem ambígua de permanência e, ao mesmo tempo, de variação.
Como resultado, a narrativa se dissolveu e a noção de temporalidade linear foi substituída pela experimentação de uma suspensão dentro de um tempo qualitativo expandido, no gerúndio. No momento de ruptura da narrativa, quando a imagem progressivamente se dissolve com a velocidade do giro da câmera, um ruído de helicóptero, que acompanha o movimento em um crescendo, até a sua explosão, soma-se ao áudio capturado junto à filmagem. Uma associação entre a vertigem da imagem e o som ensurdecedor e acelerado do motor do helicóptero sugere uma relação sinestésica entre a claustrofobia visual e auditiva.
Foi possível, a partir de então, distinguir duas naturezas de fotografias cinéticas: aquelas oriundas de imagens fotográficas e as de origem videográfica. Ambas têm em comum a presença de aspectos que as aproximam tanto da fotografia como do vídeo, aspectos da linguagem, talvez mais conceituais do que técnicos. São imagens temporalizadas que não têm começo, meio ou fim, que não dependem de uma narrativa para dar sentido ao movimento visual e sonoro.
Nas videográficas, esse movimento pode provir apenas de um deslocamento de algo no espaço ou da transformação do espaço com a passagem do tempo, conforme o modo de captura da imagem.
Esses são aspectos que a obra Deslocamentos tangencia. Nela, a câmera é imobilizada em tripé, e o movimento vem do espaço. Quando a câmera também está em movimento, as variações são obtidas pela fusão dos movimentos do corpo que segura a câmera com o espaço em alteração incessante, mesmo que sutil, ao longo do tempo.

Fotografias cinéticas: aparelho como extensão do corpo em descanso
Foram então produzidos diversos vídeos cuja uniformidade da imagem em movimento acontece tanto pela quietude do contexto filmado quanto pela imobilidade da câmera. Dentre eles estão as séries Versos e Cordas, elaboradas para a instalação Versos Paralelos, e Composições, série realizada para a instalação Íntimas Paisagens. Nesses trabalhos do corpo que se propõe a filmar são mobilizados, além da mente que comanda a intenção, apenas os olhos, que observam o espaço, e o dedo, que dispara o obturador.
Em todos os vídeos a água se mantém quase sempre presente como elemento fundador, como espelho sensível que aproxima e integra corpo e espaço. As imagens provêm de reflexos sobre a água e de elementos da natureza. Há o propósito de destacar sutilmente afinidades na visualidade de situações, memórias de abordagens macro e micro, na  percepção do espaço como corpo e vice e versa.

Série Versos
As imagens da série Versos constituem fragmentos de cenas da natureza. Os planos fechados convidam a uma aproximação e ao contato dentro de uma atmosfera de intimidade. O movimento calmo, cadenciado e ondulante permite uma associação à vista de um corpo em descanso, que não se desloca no espaço, mas que está vivo, respira e pulsa. A proposta visa a integrar a noção de corpo e de espaço. A água está presente em todas as imagens desta série. Se não é visível, ela se faz presente no movimento ondulante das plantas.

Montagem com stills dos vídeos em loop Verso O1Verso V2Verso V1 e Verso O2-1 (da esquerda para a direita), da série Versos, produzida para a instalação Versos Paralelos (2008-2011).


Série Cordas
Na série Cordas, as imagens capturadas correspondem ao reflexo de um mastro sobre a água. Ao observar a cena, a princípio, não havia qualquer elemento que chamasse a atenção e que despertasse o desejo de captura. Foi somente ao colocar a câmera em frente aos olhos e passear pelo local, utilizando-a com o zoom-in, como se fossem óculos sem os quais não fosse possível enxergar, que os diferentes quadros revelaram sua potência. Diversas câmeras com resoluções variadas foram utilizadas para a descoberta do local. Durante o processo, chamou muito a atenção perceber que o mastro, elemento rígido e reto, quando refletido na superfície da água, aparecia sinuoso, como uma corda vibrando em resposta às influências do espaço. O tempo no relógio é matematicamente dividido em unidades equivalentes. As horas são as mesmas para todos de uma localidade comum, mas a passagem do tempo é percebida de um modo totalmente subjetivo, sinuoso e ondulante, assim como os reflexos desse mastro.
Imagem extraída do vídeo em loop CH1-25, da série Cordas, 2008-2011.
A visão dessa série remeteu instantaneamente à teoria das supercordas, proposta pelo físico Brian Greene, professor na Universidade Columbia, em Nova York, para tentar explicar a origem do universo. Segundo ela, o universo seria regido pela vibração de inúmeras cordas, como as de um instrumento musical, muito menores do que o núcleo de um átomo vibrando no interior da matéria. O universo corresponderia, portanto, a uma infinita sinfonia em processo, e o que determinaria o surgimento das coisas e os acontecimentos seria a vibração destas cordas.
Imagem extraída do vídeo em loop CH2-20, da série Cordas, 2008-2011.
Imagem extraída do vídeo em loop CH-100-Z da série Cordas, 2008-2011.
Imagem extraída do vídeo em loop CV1-30-NZ da série Cordas, 2008-2011.

Imagem extraída do vídeo em loop CH2-300 da série Cordas, 2008-2011.
















Série Composições
A série Composições, elaborada para a instalação Íntimas paisagens foi um desdobramento da série Versos e também apresenta fragmentos da natureza. A água, se mantém presente como elemento fundador, como espelho sensível que aproxima e integra corpo e espaço. As imagens provêm de reflexos sobre a água e de elementos da natureza. O interesse pela biologia, área de primeira formação, está sempre presente e transparece na produção artística. Questões ligadas à sustentabilidade e à preservação da biodiversidade são intrínsecas à pesquisa.
Na edição, a saturação, a alteração das tonalidades e o aumento do contraste entre luz e sombra acentuam o caráter ambíguo das imagens, sua natureza intermediária entre o artificial/maquínico e o natural/orgânico. Intenciona-se destacar sutilmente afinidades na visualidade de situações macro e micro. O intuito é tornar mais evidente a semelhança entre as imagens do cosmos e aquelas do interior do corpo obtidas com equipamentos médicos de alta tecnologia, com o aumento de escala e o uso de colorações e contrastes.
As imagens que se formam no espelho constituído pela superfície da água deram contorno a esses pensamentos, possibilitou imaginar o movimento do universo como essa multiplicidade de cordas, cada qual vibrando à sua maneira. Uma superfície maleável, espelho fluido, membrana que separa ar e água, zona de contato, é capaz de traduzir as sutilezas das variações vibracionais do espaço-tempo. A teoria das supercordas unifica a relatividade geral de Einstein com a mecânica quântica e oferece aos físicos e matemáticos contemporâneos a esperança de encontrar um caminho coerente para explicar como funciona o universo. Ela abre uma nova possibilidade: a de que o centro dos buracos negros, em que, a princípio, o tempo acaba, seja uma porta para outros universos, onde um novo tempo começa (GREENE, 2001). Há um aumento progressivo de físicos que acreditam na coexistência do nosso universo com uma infinidade de outros universos paralelos (KAKU, 2007).


















Imagens dos vídeos em loop C Dó, C Ré, C Mi, C Fá, C Sol, C Lá e C Si (da esquerda para a direita), da série Composições, produzida para a instalação Íntimas Paisagens, 2008-2011.



As trilhas de áudio são construídas eletronicamente a partir da mescla dos sons capturados durante as filmagens com composições criadas especialmente para as imagens. São como as vozes dessas imagens e suas variações, de acordo com seu estado momentâneo. Cada trilha é elaborada de forma espontânea, intuitiva e improvisada enquanto, na tela do computador, as imagens quase finalizadas são transmitidas. O objetivo disso é vivenciar o processo de criação de modo intenso, para que se constitua um vínculo genuíno entre imagem e som do que transmita a emoção da experiência de criação. O segundo momento é de limpeza. Algumas partes da trilha são apagadas, deixando espaço para pequenos intervalos de silêncio.
Como dito anteriormente, os sons capturados durante a filmagem são aproveitados. Eles funcionam como resíduos de tempos anteriores que se sobrepõem, criando camadas temporais dentro de um mesmo momento. O chiado provocado pelo vento incidindo diretamente sobre o microfone também é incorporado.
Assim como para as imagens, distorções no áudio são produzidas. A desaceleração do som é acentuada: o pio dos pássaros fica arrastado e lamentoso. Depois de passar por estes procedimentos na edição, o áudio editado é adicionado às composições criadas. Almeja-se explorar o potencial sensório resultante da associação dos sons e imagens.
As três séries de fotografias cinéticas – Versos, Cordas e Composições – pertencem a uma mesma família, pois apresentam aspectos e procedimentos comuns que as aproximam.
A câmera apoiada em tripé, completamente imóvel, acentua as sutilezas do movimento suave e cadenciado da superfície da água. A escolha de um equipamento de boa resolução e, ao mesmo tempo, compacto e leve para a maioria das filmagens teve o intuito de obter imagens bem definidas sem comprometer a facilidade e discrição de manuseio e transporte, para a captura de material de uma forma direta e espontânea, aproveitando fatores de improviso e momentos súbitos de inspiração.
As filmagens foram realizadas durante o dia, por volta do meio-dia, para acentuar o contraste da luminosidade. As sujeiras, tais como os feixes arroxeados de refração de luz ocasionados pela incidência direta de luz no aparelho, são intencionalmente incorporadas, pois expõem a artificialidade das imagens. As cenas, com 4 a 6 minutos, não têm cortes, e a continuidade é preservada na edição.
Os planos fechados da câmera têm como objetivo descontextualizar a imagem através da escala dilatada, subverter a noção de distância presente no conceito de paisagem, criar um clima de intimidade e promover uma aproximação do público, para que ele se sinta tomado por essas imagens.
A velocidade na edição desses vídeos foi reduzida em mais de 50%, de modo a acentuar a languidez dos movimentos ondulatórios e repetitivos. Os objetos filmados são cenas da natureza com presença de água. São fragmentos de paisagens que se revelam em sua intimidade. O zoom-in impede que se tenha uma noção de conjunto. A desaceleração da imagem imprime uma sensação de temporalidade expandida.
A continuidade alcançada com a edição em loop contribui para estender a noção de temporalidade, intensificando a sensação de suspensão. Ao mesmo tempo, imprime uma manifestação vital de existência, na qual a pulsação cardíaca ou o ritmo respiratório se prolongam em uma repetição incansável, mas nunca igual. Esse procedimento também contribui para manter o fluxo de sensações e deixar ao público a escolha do momento de afastamento do trabalho.
Procura-se obter um caráter audível das imagens que vá muito além da trilha sonora criada para elas. Busca-se seu enriquecimento e potencialização através da associação sinestésica proporcionada pela musicalidade da composição visual.

Fotografias cinéticas: o aparelho como extensão do corpo em movimento
A necessidade de ampliar a experiência vivencial durante o processo de investigação da imagem resultou no desejo de explorar uma segunda situação: a experiência do corpo ativo como um todo no espaço no momento da filmagem. A câmera revelou-se não apenas um aparelho útil para obtenção de um determinado tipo de imagem, mas uma extensão e memória do corpo experimentando o espaço-tempo. Os vídeos resultantes constituem um registro poético de suas ações.
Neste caso, ao contrário das situações para obtenção das fotografias cinéticas anteriores, é a intensidade do movimento da ação que produz uniformidade. As imagens são captadas com a câmera em movimento. O aparelho acompanha o corpo na sua ação e, ao registrar o espaço, dá indícios em tempo real do seu movimento dentro de uma determinada circunstância. Nesta terceira categoria, a inversão performática é mais evidente. Ao invés de se filmar o corpo em movimento e obter o registro de sua atuação, a câmera, como parte do próprio corpo, revela a experiência corporal no espaço. Fazem parte desta categoria os vídeos da série Percursos, os vídeos da série Vistas, ambos utilizados na instalação Versos Paralelos, o vídeo monocanal ALIVE e os vídeos da série Living.

Série Percursos
Na série Percursos, caminhadas são registradas com a câmera voltada para o chão. O aparelho, ao fixar em imagens a relação do corpo com o lugar, assume o caráter de dispositivo auxiliar para constituição de uma memória deste corpo em deslocamento. Cada imagem corresponde a uma situação específica, é um resultado da equação corpo x espaço x tempo.













Stills dos vídeos P Campo 1B-1, P Campo 2B-3 e P Campo 4B, da série Percursos, 2008-2011. Os vídeos constituem registros poéticos da ação de caminhar em diferentes situações espaço-temporais.



Montagem com stills dos vídeos P Sampa 2B-03, P Paris 2B e P Sampa 1B-03, da série Percursos, 2008-2011.

O vídeo P Paraty consiste em um percurso realizado à noite na orla de Paraty. A maré estava muito baixa e, o céu, limpo. O luar extremamente claro provocava reflexos cintilantes na superfície, conforme o movimento dos passos sobre a água.
Still da fotografia cinética P Paraty B, da série Percursos, 2008-2011.

Série Vistas
A série Vistas é muito semelhante à série Percursos. Ela, também consiste em registros de caminhadas. A diferença é que nesta caso, a câmera está voltada para os lados.




Stills dos vídeos V Campo, V Jardim e V Sampa 5B-02-2, da série Vistas, 2008-2011.

ALIVE

Na ocasião em que este trabalho foi realizado, não houve qualquer associação imediata com obras de outros artistas. O acontecimento foi como um ato de libertação, uma explosão. Somente depois de um tempo, revendo a imagem, uma relação direta com a obra de Jackson Pollock foi possível. Através da action painting (pintura de ação - nome dado pelo crítico norte-americano Harold Rosenberg para o seu estilo de pintura, em que o gesto é expresso na tela), Pollock inaugurou o gesto artístico como vivencia corporal real não-representativa. 
No processo de execução, a ação do corpo no espaço, em diálogo com a superfície a ser pintada, impregnava na mesma camadas sobrepostas de tinta, com variações cromáticas e tonais. Pollock lançou com a action painting o germe da performance e do happening. Allan Kaprow (1927-2006), artista proeminente do final dos anos 50 na cena americana, entendeu a pintura de Pollock não mais como a produção de um objeto, mas como um evento físico e, a partir dessa compreensão, introduziu o termo happening no vocabulário artístico contemporâneo. Em entrevista confirmou a um repórter que empregou o termo happening pela primeira vez no texto O legado de Jackson Pollock. Tanto o happening quanto a performance são ações planejadas, mas o happening incorpora o improviso e envolve a participação do público.


Stills de L1 e L2, vídeos em loop da série Living.
Registro poético de corpo em ação no espaço-tempo.
Imagem capturada com a câmera em movimento do corpo em ação.
2008 -2011.



O trabalho ALIVE, as séries Percursos e Living apresentam imagens temporais cujas narrativas se encolheram dentro de um instante ampliado na vertical. A figuração em todos eles se dissolveu através de alguns procedimentos. No vídeo ALIVE e nos vídeos da série Living, a rápida mudança de posição das luzes no quadro da imagem, conforme o movimento do corpo, resulta em desenhos abstratos que dificultam a leitura e interpretação objetiva do acontecimento e impelem à apreensão da imagem pelo viés do sensível.
Nos Percursos, o recurso utilizado para descontextualizar a imagem foi o uso de zoom máximo na câmera enquanto o corpo se deslocava. A velocidade impregnada na imagem em movimento resulta apenas deste procedimento, que causa uma impressão de aceleração. Não houve, no entanto, na edição, alteração na velocidade do vídeo. As imagens são capturadas com o corpo se deslocando a passos normais, e o ritmo pode ser percebido por meio do áudio, original do momento da captura.
Essa descoberta chamou a atenção para o fato de que tudo que está mais próximo do corpo adquire uma dimensão mais contundente. Um carro se deslocando ao longe parece estar em velocidade inferior se comparado com um bem próximo. Algo distante é sempre menos ameaçador do que quando próximo.
O zoom-in também foi utilizado nos vídeos da série Living. Neles, a abstração acentuada da imagem resultou da soma dos dois procedimentos. As poucas indicações na imagem ao longo da filmagem, tais como cores e intensidades luminosas, não são suficientes para dar informações objetivas sobre os espaços-tempos experimentados. A leitura e interpretação se apoiam na esfera corporal e sensória.
O loop é utilizado em todos os casos. Ele possibilita ao receptor definir ele mesmo o tempo de experiência que deseja investir na obra de arte. Ele escolhe o momento de entrega ao fluxo, o tempo de permanência e o momento de encerramento da experiência. A apreensão da obra muitas vezes não é imediata. Ela se dá na repetição.
O intuito desses procedimentos foi destacar a sensação de deslocamento, de percurso vivido, de fluxo, passagem, efemeridade e transformação na duração, e remover da imagem qualquer indício literal que pudesse induzir a uma significação pré-formada e prejudicar a recepção da imagem dentro de uma dimensão essencialmente experimental.
O vídeo, ao contrario da fotografia, permite a inserção do movimento com inclusão da temporalidade. Ele também capta ao mesmo tempo imagem e som. Diferentemente da fotografia e do cinema, ele interfere na imagem, deforma-a mais acentuadamente, conferindo-lhe um aspecto artificial. Sua manipulação permite uma infinidade de procedimentos, ampliando as possibilidades de criação. A sua natureza o dispensa da função de constituição de imagem realista e permite a concepção e construção de uma obra pictórica, gráfica e tecnológica, em que a temporalidade possa estar presente. Um tipo de pintura viva contemporânea, possibilitada pela tecnologia.
O vídeo ALIVE, os vídeos das séries Percursos e Living estão calcados sobre uma base comum. Todos esses trabalhos incorporam a câmera como extensão do corpo inserido em um contexto no qual sua ação é veemente. As afinidades entre os trabalhos estão no propósito de compor uma imagem impregnada de experimentação do corpo integrado ao seu espaço-tempo. Não se trata de uma imagem construída, mas de uma imagem vivida.

Fotografias cinéticas: temporalidade e ponto de vista
As fotografias cinéticas são vestígios de experiências vividas no espaço-tempo, capturados pelo aparelho como extensão do corpo em descanso ou ativo e correspondem aos alicerces, aos tijolos, para a edificação de espaços imersivos. Estas imagens, concebidas como letras de um alfabeto para criação de instalações, são hibridas e tendem a dissolver-se entre os rótulos. O que as caracteriza é a ambigüidade que apresentam entre a pausa e o movimento.
Philippe Dubois definiu a fotografia como imagem-ato de uma experiência radical de corte. As fotografias cinéticas constituem uma busca por expansão da imagem-ato para além da fotografia, dentro de um estatuto onde as categorias fotografia, cinema e vídeo se sobrepõem e se integram. As fotografias cinéticas com o aparelho como extensão do corpo vivo e atuante constituem a expressão de imagens-atos de uma experiência genuína de vida, de respiração e pulsação, na qual o tempo foi experimentado dentro do momento presente na sua dimensão vertical, ou seja, com o olhar voltado e o corpo entregue ao aqui e agora durante o ato vivencial.
A câmera é o observador. As fotografias cinéticas como manifestações de experimentações do corpo, seja ele em descanso ou ativo, propõem uma inversão de pontos de vista. O público, ao invés de se colocar como espectador de uma determinada vivência realizada pelo referente, é convidado a mergulhar dentro da posição do referente e experimentar a sua experiência através de impregnações audiovisuais. As fotografias cinéticas são marcas inscritas no espaço-tempo de vivências contemplativas e ativas do corpo. Elas convidam o espectador a compartilhar virtualmente o “dentro” das situações, as experiências vividas pelo artista.
A situação é oposta do que se observa comumente. A principal distinção entre os filmes em geral e as fotografias cinéticas está no ponto de vista, no olho (ou na câmera). Enquanto eles nos mostram um sujeito outro agindo, as fotografias cinéticas nos transportam para dentro desse outro, plasmando a experiência do ato dentro do espaço e ao longo do tempo.

A espacialização das fotografias cinéticas

Assim como um vocabulário deve ser previamente constituído para a elaboração de um poema, a construção de uma casa depende (entre outras coisas) de uma quantidade suficiente de tijolos para suprir a demanda do projeto arquitetônico. As fotografias cinéticas constituem o elemento base, seguindo este princípio, para concepção e realização de instalações e propostas de vivências. As imagens possuem uma autonomia e identidade própria, e podem ser exibidas individualmente. Quando reunidas, incorporam em seus significados uma natureza também coletiva e uma complexidade na relação e dinâmica que estabelecem com o espaço e com os sujeitos que com elas dialogam.





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